PSICÓLOGO
ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO- TERAPIA DE CASAL E INDIVIDUAL C.R.P. 31341/5 RUA
ENGENHEIRO ANDRADE JÚNIOR 154, TATUAPÉ- SÃO PAULO- SP FONES: 26921958/ 93883296
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CIÚMES,
PAIXÃO, ÓDIO, SEDUÇÃO, SENSIBILIDADE (ESTUDO PSICOLÓGICO DO AMOR E OS
SENTIMENTOS QUE O ACOMPANHAM).
Realmente nada começa tão doce e afável
terminando em amargura e desespero como o problema do amor. Podemos o encarar
como um drama também, justamente pelo mesmo trazer outros tipos de emoções ou
vivências às quais boa parte das pessoas não tem o preparo adequado. Se
refletirmos bastante iremos notar que tal área já é muito mais difícil de se
obter êxito do que um emprego ou boa ocupação. Todos também já perceberam que
quanto maior a independência econômica em qualquer dos sexos maior o
distanciamento emocional, não apenas pelo trabalho e sucção que a ambição
produz, mas pela fuga e medo da frustração por gostar ou se entregar para
alguém, embora tal fenômeno não seja privilégio de uma classe social
propriamente dita. O trauma nessa área começa tão cedo como os valores
econômicos inculcados precocemente na criança. Escrevi em diversos outros
estudos que a grande problemática do final do século vinte e começo deste é a
solidão sem nenhuma sombra de dúvida. Fator da máxima contradição humana; tendo
a função de afastamento de uma decepção, ao mesmo tempo em que gera uma
carência abissal nas necessidades afetivas do sujeito. Infelizmente nenhum
método de educação ensina alguém sobre a dificuldade num relacionamento.
A paixão e sedução contidas na questão
do amor encerram quase sempre elementos de poder, disputa e controle sobre o
parceiro. O sentir-se “embriagado” pela
paixão diz muito mais da necessidade de fuga das pessoas para a grande
infelicidade vivida no dia a dia, assim sendo, tal fenômeno age como uma
espécie de droga ou narcotizante da falta de sentido em relação a outro drama
moderno, a rotina. A sedução atua quase sempre no predomínio estético ou
sexual sobre determinada pessoa. É o uso intencional de um instrumento
condicionado e valorizado pela sociedade, objetivando a adulação das
características narcisistas do sujeito. Em
tese também podemos definir que tanto a paixão quanto a sedução são uma espécie
de rebelião ou protesto inconsciente contra a inevitável morte ou insatisfação no
relacionamento. Tentam passar um ápice de uma durabilidade do gozo ou êxtase
absolutamente questionável.
A
sedução é a mais tenra ilusão de que o outro detém a chave perfeita para a
satisfação completa de nossos desejos, e sempre nos esquecemos que preço o
mesmo irá cobrar por tal tarefa; já a paixão é o sonho máximo de que seremos
correspondidos constantemente, de que jamais poderá haver uma desaceleração da
vontade e prazer.
A sensibilidade abre outro terreno árduo
para sua compreensão plena. Freqüentemente é cobrada por um ou ambos os
parceiros, embora mais tarde se queixem de seus efeitos colaterais. Outro
grande erro é achar que a mesma só se manifestaria no pólo positivo, quando a
grande verdade é que funciona como uma esponja que absorve todo tipo de
amargura ou mazela emocional. Não basta apenas perceber o problema da
contradição, dialética ou a oposição nos diferentes tipos de vivências e
sentimentos, mas, sobretudo, enxergar como foram construídos no decorrer de
nossa história de vida. O amor existe e sem nenhuma dúvida é uma necessidade
vital, o grande problema é sincronizar sua dose, pois ambos os pólos
descompensados podem ser fatais; tanto a falta que gera a mais pura carência,
ou o que alguns acham que seja seu superlativo, o ciúme, também totalmente
destrutivo em quase todas as relações. O importante não é e nunca foi à
definição do que seja o amor, mas apenas a raridade do fenômeno nas diferentes
culturas e épocas. O romantismo, a poesia e outros adornos apenas deram pistas
ou serviram de muletas na construção de tão complexo sentimento humano. A tese
central deste texto é exatamente a ligação do desejo ou necessidade com outras
tarefas que são colocadas concomitantemente para a pessoa; mas como somos na
maioria das vezes extremamente alienados, achamos que resolveremos um problema
de cada vez.
O que precisa ser pesquisado é
justamente como e quando alguém consegue obter a experiência do amor. Alguns advogam
que o mesmo aparece após a vivência dolorosa de experiências desagradáveis, se
mantendo intacta a esperança e fé do sujeito no seu potencial afetivo, diria
que é algo bem raro em nossa atualidade, dominada por um rancor borbulhante em
relação ao passado de frustração e mágoa. Estes dois últimos sentimentos
produzem uma impermeabilização completa em relação a qualquer nova tentativa de
entrega. Nossa era está repleta dessa absurda neurose, sendo que se procura a
mais absoluta perfeição ou garantia para após começar a suposta troca. Tal prática nefasta revela não apenas o medo
exposto anteriormente de uma nova frustração, mas que a pessoa que se deixou
abalar não tem condição alguma para a experiência do amor, justamente por essa
fragilidade e incapacidade de lidar com a perda. É uma criança completa no
plano emocional, tentando forçar uma adequação às suas expectativas estéticas
ou econômicas. Obviamente tal indivíduo
não almeja em hipótese alguma a contemplação do amor, mas exclusivamente a
veneração de seu conteúdo ambicioso e egoísta, com a desculpa de que é alguém
especial e que precisa valorizar a si próprio, quando na verdade está o tempo
todo participando de uma espécie de leilão de suas emoções.
Na verdade todas as barreiras citadas
que impedem a verdadeira troca dizem de um ser que não deseja expor sua
fragilidade, justamente por se considerar inferiorizado no plano emocional, e
concomitante medo de ficar envolvido, pois para tal tipo de pessoa tal fenômeno
é uma derrota, pois vê todo o relacionamento sobre a ótica do poder ou quem
domina em tal esfera; então para fugir do conflito busca exigências irreais.
Boa parte da procura da estética se encerra neste quadro, se escondendo uma
grande deficiência afetiva embaixo de uma perfeição corporal sancionada pelo
sistema de consumo.
Alguns
filósofos e psicólogos tentaram definir o amor como uma experiência em que há
maior empenho na satisfação do outro do que com suas próprias necessidades.
Embora tal conceito seja louvável do ponto de vista humanista, diria que além
desta capacidade inata para perceber o outro, muito mais importante é ter a
certeza do potencial afetivo da pessoa que se ama, tendo a confiança de que a
mesma reagirá com gratidão quando devotarmos para ela os mais nobres
investimentos de nossa alma; ao contrário da inveja e incômodo que muitas
pessoas demonstram ao serem ajudadas ou amparadas; enfim o desafio de todos é
aferir se o outro também é capaz não apenas de trocar, mas se valoriza aquilo
que o parceiro julga ser suas qualidades mais profundas. A baixa estima é um
câncer para o processo afetivo. Nenhuma
chama permanece acessa sem o incremento de determinado combustível. A derrocada
amorosa se dá quando um dos dois apenas almeja retirar sem repor, ou o outro
também não faz a mínima questão de crescer ou vivenciar algo novo. O problema de
alguém se tornar insensível não diz apenas de uma fuga perante o medo do
sofrimento, pois todos querendo ou não passarão por tal infortúnio; o que ninguém admite é vivenciar algo único,
sendo assim a chamada opção por não ser sensível (do ponto de vista positivo
como expliquei acima), é se afastar da sensação de solidão que um sentimento
intenso produz. Quase ninguém almeja ser pioneiro no terreno emocional, a
liderança e poder se focam no plano material. A prova maior disso tudo é
que sempre um dos parceiros se queixa de que o outro doa muito menos na
relação, como se estivesse se preparando para uma retirada ou abandono.
Outro fenômeno moderno no terreno
afetivo é a questão do tédio precoce nos relacionamentos. Este fator está
associado diretamente ao transporte do consumismo social para a esfera privada
do indivíduo. É um tanto óbvio tal ocorrido. Como conseguiremos algo um pouco
duradouro se nossa mente é corrompida diariamente pelo descartável produzido pelo
desejo de consumo? Boa parte do fracasso nos relacionamentos é produzida pela
falta de inteligência e percepção deste acontecimento diário. Que as pessoas
gostam de nadar na ilusão até nem discuto, mas se cegar perante uma
contaminação incisiva é no mínimo trabalhar para sua infelicidade própria. Em
parte a própria psicologia explica o fascínio da pessoa pela dor e queixa
constante, forçando o ambiente a consolar tal indivíduo tão desprotegido.
Pensemos na questão do ciúme. O mesmo
foi eternizado como uma insegurança ou fraqueza emocional do sujeito. Isto é
uma análise superficial, pois em verdade
o ciúme é o mais profundo sinal ou indício de uma futura ruptura ou perda. A
pessoa presa de tal sentimento não visualiza que seu excesso nada mais é do que
uma antevisão da ruína de seu projeto afetivo. O ciumento amplifica suas
emoções negativas e traz também as do parceiro para seu caldeirão íntimo de
sofrimento. Outra essência do ciúme é o mais puro complexo de inferioridade,
pois a pessoa já intuiu que será derrotada neste campo, ou que poderá haver
repetição de vivências dolorosas que já experimentou. Tal processo pode
acompanhar o sujeito à vida toda, caso o mesmo não procure ajuda psicológica
para desfazer tal trava emocional. E sobre a carência, como se desenvolve?A
pessoa que cresceu sob a ótica de tal condição acaba desenvolvendo um mecanismo
curioso de compensação. Ao mesmo tempo em que se sente negligenciada em seu
direito afetivo histórico, têm a convicção interna de que algo muito especial
ainda estaria por vir; o problema é dimensionar o tempo que irá suportar tal
espera, sendo que o tédio ou desânimo não tardarão a assolar tal indivíduo. A
carência é a exploração máxima da paciência e expectativa perante um retorno
afetivo do outro, que pode nunca ser efetivado. É a interrupção plena da
liberdade para escolher novas pessoas que possam satisfazer a necessidade de
amor do indivíduo, sendo que o mesmo irá insistir na sua dor pessoal de
rejeição e conseqüente reparação.
O sofrimento afetivo mais cedo ou tarde
cobrará uma definição. Ou irá ocorrer uma busca desenfreada por algum tipo de
reparação como foi dito, ou a energia será direcionada a algo novo. O apego é o
pilar máximo da sustentação do processo da carência. É fato que boa parte do
esforço infrutífero gasto por determinada pessoa diz de algo que jamais poderá
ser reativado, ou mesmo que o fosse talvez não teria a mínima importância. Há
duas formas de se lidar com a perda e todos já as notaram: nos tornarmos mais fortes e reagirmos com toda a tristeza oriunda do
evento traumático, gerando um dever de melhorar em conflito com a dor; a
segunda é a depressão propriamente dita, sendo a recusa da reação por não
enxergar um sentido além do apego ao evento mórbido.
A trajetória emocional se assemelha à
órbita elíptica de um meteoro que acaba sempre retornando infinitamente. É
curioso que quando uma terapia retira em parte a angústia da pessoa, se volta
exatamente ao ponto onde tudo começou, segundo inúmeros relatos de pacientes. Este
é um dos segredos mais impressionantes da mente humana, devendo ser estudado a
fundo. O conflito não segue uma órbita hipérbole, passando apenas uma vez
perante determinado ponto, mas têm exatamente essa função de repetição de um
espaço já percorrido. Foi exatamente esta questão que FREUD interpretou como a
compulsão para repetir determinado evento traumático. O fato é que tal retorno
se dá pelo lado afetivo recalcado, sendo que para FREUD a libido ou energia
sexual seria o ponto de concentração energética mais forte do ser humano. O
desejo se alimenta então justamente de seu oposto, a frustração, e se a mesma
assolou o indivíduo de uma forma intensa, irá gerar um tipo de volição ou
expectativa quase que eterna perante a realização de um fato almejado.
Novamente se torna desnecessário dizer que o apego perante algo tão remoto
bloqueará totalmente a capacidade atual da pessoa pela busca de seu prazer
pessoal.
Está-se dizendo aqui que o lado
emocional caminha em círculo, caso não seja quebrada sua estrutura neurótica.
Sem dúvida alguma este é um trabalho que poucos se deram conta de sua
necessidade de efetivação. É justamente neste ponto que entra o problema do amor, pois o mesmo deve ser
algo totalmente novo e original com outro ser humano, no qual se confiará a experiência
do desejo e prazer; caso não ocorra tal situação a relação se torna mera arena
para se reviver todo o drama familiar passado e o mais legítimo complexo de
inferioridade. A experiência real e profunda do amor implica em não se sentir
tão afetado, humilhado ou destruído pelo passado.
Quando realmente podemos dizer que
conhecemos nosso parceiro amoroso? Com toda a certeza quando conseguimos
visualizar todo o seu potencial construtivo e destrutivo. Este último é
freqüentemente confundido com a agressividade. Claro que não estamos falando
aqui da violência física, mas tentando desmistificar o problema do que
realmente seja a agressão. Uma das coisas mais cruéis nas relações é justamente
a sedução perante uma pessoa e conseqüente retirada do relacionamento. Isto
infelizmente já virou uma espécie de jogo sádico moderno. Ao invés de nos
iludirmos constantemente com a beleza ou fascínio sexual por alguém, seria
interessante avaliarmos a capacidade dessa pessoa para a reciprocidade. O mais
perfeito retrato da sala de espera do inferno se dá quando um dos parceiros
sente que o outro é o mais puro e ideal objeto de amor para o mesmo, porém, não
ocorre à mínima seqüência ou correspondência. A análise do problema do amor não correspondido passa por vários tópicos,
mas o principal é a escolha de uma espécie de ícone incapacitado para a troca. A
busca pela beleza ou sensualidade que pode acarretar a não correspondência diz
muito mais de uma pessoa imbuída de um profundo complexo de inferioridade, que
busca na outra uma compensação de sua problemática, tornando-a um troféu que
possa encobrir seu drama pessoal não resolvido. É a princípio um acordo mútuo
entre duas pessoas extremamente ambiciosas, uma por ser venerada por seus dotes
físicos, e a outra para provar aos outros sua glória por ter conseguido algo
tão valioso apesar de sua limitação na autoestima; não precisamos lembrar que
tal contrato possui uma curta duração.
Confesso que a coisa mais estranha ou
sombria que ouvi na vida foi determinado relato de uma pessoa que disse ter
encontrado o parceiro ideal, mas estava morrendo de medo do amor propriamente
dito. É chocante tal relato justamente pelo sujeito intencionalmente abrir mão
de uma experiência de quase puro êxtase. A primeira explicação já foi dada
acima; a pessoa encara o amor como uma submissão ou inferioridade, buscando um
parceiro que se doe muito mais do que ela. Mas como se manifesta o medo do amor
nos homens e mulheres? Nos primeiros historicamente pelo desleixo, indolência e
a infidelidade conjugal, dando uma mensagem explícita de que jamais criará
raízes profundas em qualquer tipo de relação. Este problema está associado
também à questão da timidez, pois tal distúrbio tem a característica de
afastamento de todo tipo de envolvimento emocional profundo. O tímido apenas
ensaia gostar e amar, sendo que sua meta principal é cavar apenas uma
trincheira de isolamento e proteção perante o contato social. Seu medo central
é passar por uma situação de prova, e o amor é o teste supremo da intimidade de
um ser humano, assim sendo, irá renegar todo tipo de entrega, embora tal
problema pertença a ambos os sexos.
Na mulher o medo do amor principalmente
em nossa atualidade se dá pela agressividade ou qualquer tipo de cobrança
irreal perante o parceiro. A própria condição hormonal da mulher é a mais pura
prova disso. A tensão pré-menstrual exacerbada diz psicologicamente de uma
mulher que reprimiu ou não sabe lidar com seu potencial agressivo, e a
alteração hormonal é a válvula de escape para todos os seus instintos negados,
tomando por completo a pessoa. É como um estado de embriaguez em que se expõe
toda sua agressividade; esta no lado masculino visa à competição, embora as
mulheres também adotem tal conduta. Mas para as mesmas a agressividade é o
bloqueio central que interrompe a entrega. A
análise psicológica profunda de tal conduta irá revelar que tal pessoa está
revivendo longínquas experiências paternas com seu atual parceiro, onde o
núcleo é definir emocionalmente a figura masculina como sendo raivosa, embora
isto também não deixe de ser uma projeção de seu emocional. A catástrofe
afetiva é a intersecção mórbida entre pai e amante, não um complexo de Édipo
como a psicanálise enxerga, mas a convicção feminina de que o parceiro sempre a
usou para desafogar seus mais sádicos instintos. A seguir começa a surgir o
ódio e desejo de retaliação. Na verdade a
culpa do homem por tal situação é encarar a afetividade como uma espécie de
esquema bancário, achando que sua companheira tem o dever inato de suprir todas
as suas necessidades pessoais, com o mínimo de troca possível, esta sim é a
essência do chamado machismo, não desejar enxergar, ajudar ou colaborar com sua
parceira. Para a mulher, restou o pânico atávico de se sentir usada o tempo
todo.
O
problema da mulher no campo afetivo e sexual é exatamente se sentir instável
perante o poder que detém sobre o gozo e satisfação masculina. Outra
contradição é se irá se aliar psicologicamente a uma mãe traída e denegrida
pelo pai, ou se simplesmente realiza seu potencial amoroso. Como poderá se
libertar da servidão voluntária e involuntária perante uma genitora queixosa e
que usa freqüentemente sua infelicidade para manipular o ambiente? A questão central é se tanto homens e
mulheres realmente conseguem investir no relacionamento, ou se tornam apóstatas
perante o amor, apenas ruminando seu passado familiar infeliz. Todo o ideal
do romantismo e religiosidade caem por terra, pois o ser humano jamais esteve
preparado para a experiência do amor, lhe faltando à educação adequada para a
execução de tal meta. O “analfabeto
emocional” está encarcerado de todo tipo de sentimento destrutivo que aborta um
relacionamento. Um projeto sério de alfabetização afetiva deve levar em
conta todas as etapas do desenvolvimento humano. Nas crianças e adolescentes
redobrada atenção em relação aos malefícios do mimo e narcisismo, pois ambos
colocam a pessoa num patamar onde jamais conseguirão enxergar o outro. Os pais
devem escolher se seus filhos serão especiais por competirem e humilharem seus
rivais, ou então se estarão atentos e receptivos para uma troca onde todos
tenham seu espaço e importância na relação.
Nos adultos o projeto eficiente de
alfabetização emocional é desenvolver formas maduras de lidar com todos os
tipos de sentimentos negados ou negativos: ódio, raiva, rancor, inveja, mágoa,
tristeza, vingança, frustração, apego, saudade mórbida, dentre outros. Há
também a necessidade de se perceber o custo na esfera afetiva no decorrer da
vida, seja o preço a ser pago pela solidão, ou a carga que recebe da pessoa
desejada, assim como o impacto de sua conduta emocional perante as pessoas mais
próximas. A experiência do amor seria muito mais fácil para alguém que já a
tenha saboreado plenamente no âmbito familiar. Embora tal conceito possa
parecer um tanto antiquado, ainda é totalmente válido na dinâmica dos
relacionamentos. Quando não se teve uma experiência de tão ampla magnitude e
importância, a tendência é buscar fora do ambiente privado e familiar tal
necessidade básica, com todo o atraso possível; o problema é que quando alguém
procura algo imbuído de carência e privação afetiva, despertará ao mesmo tempo
todo o sentimento negativo descrito anteriormente, pois o amor obedece também a
condutas em conformidade com o desenvolvimento e crescimento da pessoa, muitos
não percebem que clamam pelo mesmo de uma maneira totalmente inadequada ou
infantilizada. A cura não passa apenas pelo encontro, até porque ninguém jamais
terá certeza do amor em nossa era perante o parceiro, mas principalmente por se
revelar e exigir que o outro tome atitude semelhante; desnudando seu ser.
Outro ponto indiscutível é que tendo ou
não um relacionamento, quase todos estão tristes, descontentes ou
insatisfeitos. Todos os elementos descritos neste texto dizem do correlato do
amor, que é o ódio. Sentimento totalmente negado pela cultura e moralidade, mas
que assola totalmente os relacionamentos. O primeiro passo para o incremento do
ódio é não ter a consciência de que as pessoas mais íntimas é que colaboram
para o crescimento de dito sentimento. O início sempre é algum tipo de
contrariedade ou injustiça, passando para uma experiência de ligação diária e
constante em relação ao objeto ou pessoa que causou a dor tão insuportável. Mas
o ódio maior é quando se tem a certeza subjetiva de que o outro poderia
completar totalmente a pessoa, mas se recusou em seu esforço ou competência
para tal finalidade, conforme apontei acima. O ódio começa a surgir quando percebemos nossa miserabilidade afetiva,
e o quanto está se mendigando afeto e atenção. O ódio é uma espécie de
ritual ou neurose obsessiva, algo como um totem para que a própria pessoa o
cultivando constantemente se lembre da experiência da dor e tente não
repeti-la. O problema é que tal processo se torna quase que infinito; é como os
orientais faziam uma alegoria de uma serpente comendo a própria cauda, o que
representaria um ciclo interminável.
A devoção a um evento tão doloroso
certamente nunca foi o melhor instrutor ou anteparo para não repetirmos
determinada tragédia. A lembrança diária de um evento traumático em hipótese
alguma forma uma blindagem para que tudo não possa se repetir, muito pelo
contrário, o efeito é uma contaminação profunda do potencial emocional da
pessoa. O preço do ódio passa pela amargura, e jamais alguém poderia acertar
sua dose, pois a potência do mesmo é devastadora. Como seria possível usar um sentimento que já nasce com um déficit
temporal? Se a reação é instantânea, advém a fúria com conseqüências
gravíssimas, afora a culpa e arrependimento. Se optarmos pela espera da reação,
o fato doloroso perde o sentido, e apenas resta o desejo de vingança. A grande
descoberta é perceber primeiramente que talvez nossas escolhas não foram tão
acertadas, pois acabamos atraindo indivíduos incapazes de compartilhar sonhos e
desejos.
O
ódio é essencialmente um cunho básico de projeção. É vermos a centelha mais
íntima de nosso ser no outro com o aviso inexorável de quão difícil seria
conseguirmos mudar, então partimos para o ataque e ruminação emocional
dolorosa. A privação histórica de laços de ternura e
demonstração de afeto é o combustível máximo de tal fenômeno. Retomando a
questão da família, o ódio vai se solidificando à medida que seus membros vão
fazendo um balanço completo de toda a agonia e miséria afetiva que experimentaram.
Neste ponto começa um processo confuso e altamente neurótico, sendo a confusão
de papéis fator reinante. A pretensa justiça pessoal se torna mesquinhez; a
impulsividade totalmente efêmera; a vingança denota apenas uma prova de apego inútil
e imaturo, aliado ao medo da incapacidade para criar ou recomeçar. Qual seria
então o equilíbrio entre não vivenciar o caráter rancoroso corrosivo do ódio e
também não insuflar o espírito pessoal com uma sensação eterna de injustiça e
indignação que fazem mal do mesmo jeito? Para responder, temos de retomar a
questão da culpa, pois a mesma foi e é um dos principais fatores da
socialização e permanência da civilização, caso contrário, teríamos uma eterna
luta pela supremacia ou complexo de superioridade.
De certa forma, é o que vemos no meio
social, assim sendo, a culpa passa a ser o bônus incompleto que a biologia,
genética ou antropologia deixou de legado para que o ser humano pudesse avançar
para um outro plano de relacionamento. A civilização ao contrário do que FREUD
descreveu, não é a sublimação da sexualidade para fins culturais, mas meramente
o controle do ódio entre seus membros; sendo a manipulação plena do instinto
para a sobrevivência do ego pessoal e que tal ato também traga um benefício
coletivo. Crescer sozinho é apenas competição ou isolamento, sendo que a
verdadeira evolução ou revolução é o transporte de características adquiridas e
autoconhecimento para um patamar em que várias pessoas compartilhem uma
experiência de êxtase perante a descoberta do sentido da existência pessoal e
formas de manejar a sobrevivência sem aniquilar seus semelhantes. O objetivo
final não é desanimar ninguém, mas que todos percebam a dialética da busca do
prazer; sem a alfabetização emocional mencionada, a suposta satisfação se torna
privação, o gozo, recalque, a convivência, palco constante de luta e conflito,
e o desejo se tornará um instrumento de desenvolvimento de doenças psíquicas e
físicas.
Mais importante do que procurar a gênese
do ódio é descobrir a necessidade de agregação do mesmo em determinada pessoa
ou evento. O chamado “foco do ódio” é a
máxima liberdade para a consecução do êxtase do espírito destrutivo,
aniquilando por completo a rivalidade ou a frustração que alguém pode causar.
A ciência da psicologia até o presente analisou o fenômeno como sendo a necessidade
do sujeito de se tornar vítima; embora tal visão esteja mais do que correta, é
fundamental se acrescentar um fato: o impulso ou imperiosidade de se arquivar
uma reserva mental destrutiva. Mas em que circunstância seria utilizada? O ódio
pode ser uma defesa prévia contra qualquer tipo de ataque ou rejeição, assim
como assinala a dificuldade de determinada pessoa em preservar seus
relacionamentos. Ambos traços de caráter assinalados vivem constantemente a
tragédia, mas o ódio também é uma fronteira hermética contra o desespero, que é
a prova final do esforço infrutífero na capacidade pessoal de despertar
interesse para alguém. Nossa cultura estabeleceu uma associação religiosa
quando se fala em ódio, trazendo sempre em paralelo a questão do perdão. O
mesmo se tornou um mero instrumento propagandístico para todas as religiões, pois muito mais importante do que falar em
perdão é verificar se a pessoa tem estrutura e condição psicológica para efetuar
tal tarefa. Esquecer o evento traumático é superar a sensação de
miserabilidade na mais íntima esfera pessoal, desenvolvendo recursos que sempre
assinalem para o indivíduo que ele pode novamente recomeçar. O perdão só é viável quando seu pilar mais
forte, o apego é atacado frontalmente; o grande problema é que o esquema
social acarreta uma imensa sensação de déficit na área do prazer e realização
pessoal.
A coisa mais comentada pela psicologia e
conseqüentemente receitada em um século de sua existência foi o preceito de que
a pessoa deve lidar melhor com sua ansiedade, angústia ou com tudo o que a
chocou, mas como isto é possível, com tantos processos paralelos e sabotadores
da paz de espírito? Esta sem dúvida alguma é a pergunta suprema e inacabada para
a cura ou profilaxia de todo conflito ou neurose. A psicanálise advogou a
necessidade de remoer as antigas experiências infantis no sentido da pessoa
perceber que sua energia está retida em determinada etapa do desenvolvimento
humano, ou como FREUD dizia, manteve “tropas em excesso” em determina área que
clama a todo o momento por uma satisfação ou descarga. A psicologia
comportamental enfatizou que o sujeito deveria mudar sua conduta diária, no
sentido de perceber que suas atitudes estão completamente viciadas para a
obtenção do crescimento e satisfação pessoal. Não se trata de desenvolver a
força de vontade propriamente dita, mas que a pessoa perceba a importância e
impacto de como age perante seu meio; como suas ações se transformaram num
ritual de prejuízo pessoal. Passado e presente não deixam de ser a dicotomia ou
luta de opostos para a obtenção de uma melhora psicológica. Tanto a pessoa que
não consegue repor sua origem familiar de carência, quanto àquela que não
consegue alterar um comportamento inadequado, sofre em demasia e isto é um fato
absoluto. Mas neste ponto quero estabelecer um outro conceito da neurose.
Quando falamos em distúrbio neurótico,
não podemos apenas pensar em sintomas ou conflitos. Temos de entender que a
neurose atinge o ápice quando em todas as áreas que a pessoa atua
(profissional, afetiva e sexual), o resultado é o mais puro “stress” para si
mesma ou o meio circundante. A parceria de ambos os fenômenos nos dá uma
dimensão segura de que a pessoa não consegue manter o equilíbrio ou controle
sobre sua conduta e regularidade da satisfação. O que poderíamos chamar de
suposta “felicidade”, é constantemente inundada por todo o tipo de vivências ou
lembranças de carência ou privação. A
neurose em última instância é a compulsão inconsciente para sabotar o ritmo
biológico e mental, desprezando a autoestima e anulando o autoconhecimento.
Convencionou-se o preconceito que ir ao
psicólogo é sinônimo de distúrbio ou loucura; a cada dia penso exatamente o
oposto, há um fosso intransponível entre ambas, pois a terapia é um espaço
primordialmente para uma reflexão lúcida acerca dos sentimentos e condutas que
afetam o indivíduo e as pessoas ao seu redor. A terapia serve para os que não
fizeram seu dever de casa nas seguintes áreas: amor próprio, afetividade,
sexualidade e poder pessoal. Serve ainda aos que se conscientizaram de que seu
mais profundo desejo se transformou num quebra-cabeça pela dificuldade de
realização, mas que a energia que o mantém permaneceu intacta no transcorrer da
vida da pessoa (isto é a esperança no mais profundo grau). A loucura
propriamente dita necessita ser tratada num espaço onde se possa manobrar a
imperiosidade da socialização da pessoa humana, isto não significa a
internação, mas apoio grupal para o resgate das potencialidades da pessoa.
O amor é o mais tenro e frágil
sentimento que a qualquer instante é soterrado por todos os seus acompanhantes
negativos descritos neste estudo. Se afastar da visão ingênua do romantismo é
perceber o quanto o amor é quebradiço e necessita de um cuidado constante, ao
contrário do que estamos acostumados a vivenciar, como uma espécie de paixão
que podemos nos regozijar a vontade, sem nunca cessar seu fluxo. Já o ódio
reflete a dicotomia entre o complexo de superioridade e inferioridade como
dizia o psicólogo ALFRED ADLER; Ambos os fenômenos mantém uma estreita relação
de interdependência. Se alguém se julga inferior, pode complementar tal falta
com um desejo de superioridade econômica, estética ou sexual; o contrário
também é válido, a pessoa que se sente num patamar superior pode desenvolver
todo tipo de culpa e arrependimento que a coloque novamente num patamar
inferiorizado. O ódio retém uma longínqua defasagem na questão da autoestima.
As primeiras fases narcisistas do desenvolvimento da criança são a pista segura
para tal tese. O ódio se desenvolve justamente quando se sente que a figura
julgadora e que poderia reforçar tal narcisismo infantil foi omissa. Advém
então a cólera, forçando o ambiente a proporcionar o que lhe é devido. A antiga necessidade de exclusividade e
liderança agora desponta num déspota em seu círculo emocional.
Repetir e viver intensamente a dor agora
é o motivo pleno da vida do sujeito. Foi literalmente excluído de seu direito
ao prazer ou uma vida regular de satisfação. É neste exato ponto que a
intervenção terapêutica deve ser radical, combatendo não apenas o vício de sua
visão pessimista e sombria, mas mostrando à pessoa que constantemente sabota
aquilo que mais procurou. Desenvolveu a intolerância perante o fluir das
emoções, abdicando do gozo pessoal pela competição e disputa de poder, se
tornando o mostruário exato dos processos econômicos e sociais perpetrados
diariamente em nosso meio.
O ódio se alinha totalmente a um desejo
de liberdade frustrado. A saída seria concentrar a energia no potencial próprio
visando novas etapas de criatividade e desenvolvimento; porém não é o que
ocorre, sendo que a reação de rancor e o investimento no confronto são o que
prevalecem na maioria das vezes. Lembro-me de um sonho de um paciente que
ilustra categoricamente tal afirmação: “sonhei que vários indivíduos construíam
foguetes particulares para irem a lua e outros planetas como marte, por exemplo;
boa parte morria na jornada por a nave não ter estrutura e oxigênio suficiente;
apenas alguns retornaram; sendo que na exploração descobriram perigos
inimagináveis para a raça humana; eram totalmente negligenciados na volta e não
obtiveram nenhum apoio governamental”. Sem dúvida a mais profunda coragem é o
rompimento; mais ainda se pensarmos no desafio perante a única controladora do
processo espacial no mundo; este é um sonho em que o desejo de liberdade atinge
seu ápice. A essência da neurose como descrevi no texto é esta: a luta
interminável para desenvolver uma meta nova em vários campos versus o conflito
por reaver o que se sente retirado e negado. Coragem então é o avanço, e a
neurose é não somente a pedra neste trajeto, mas o total desânimo e desconsolo
para o recomeço.
BIBLIOGRAFIA: FREUD, SIGMUND. O MAL
ESTAR DA CIVILIZAÇÃO E ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER. OBRAS COMPLETAS. MADRID
(ESPANHA): BIBLIOTECA NUEVA, 1981.
ADLER, ALFRED. O CARÁTER NEURÓTICO. BUENOS
AIRES, EDITORA PAIDÓS, 1912.
Qualquer reprodução somente mediante
autorização do autor.
Dedicado a memória de minha tia e
pianista MARIA DO AMPARO FERREIRA
SÃO PAULO, 07 DE FEVEREIRO DE 2006